sábado, 30 de julho de 2011

Declaração

Você não sabe se eu posso sorrir nesta solidão maluca. Puxar do infinito o avesso do caos que me pulsa. Você não sabe como é andar no mundo sozinho e ocultar o medo na confiança. A seda fina resurge nos meus olhos como um menino com os lábios brancos, olhos abertos demais, quando não é de costume.
Você não sabe se eu posso sorrir nesta solidão maluca. E buscar entre as nuvens as respostas que sei. E tentar escondê-las dentro de um abismo escuro, cheio de sons estranhos. Os meus sons e gritos e trevas. As únicas premências que sei.
Você não sabe o que é ter as roupas mais densas, a sensação de que o lado de fora me olha sem comentar. Ou comenta demais as coisas de menos. Ter a espessura do mar em suas mãos e um rosto perdido em algum retrato nostálgico.
Você não sabe o que é ser, quando o ser comprime o teu corpo num espelho envenenado que golpeia em sua face a loucura do mundo. Que não se sabe sê-lo.

Dedicado. Anônimo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Entrega

Como se não houvesse nenhum outro mundo, ela ainda hesitou o rosto barbado do rapaz, zombou de seus olhos e supos ir embora. E ele, como a um herói, lapidou-a a face e o ódio. Era medo, mas o ódio criou-se justamente por não conseguir dissolvê-lo. O medo. E ele, como a um herói, trouxe ao corpo o corpo dela e dilatou-a as retinas, volvendo a calma, a ânsia, o ar que pulsava o rosto vermelho. Quente. Agarrando-lhe o rosto forte, dispos nos lábios da moça todo o despejo de um beijo taciturno, empurrando todas as horas amarelas que entornavam aqueles corações.
Bendito o ar noturno que vos cerca, pois é da noite as ilusões, os amantes e as canções mais inacabadas. Veste a sombra e molda vossos corpos com o poder da astuta presença de ambos. No mesmo sonho.

sábado, 16 de julho de 2011

Indiferença

Não é vento,
não é corpo,
não é fome,
não é loucura,
nem muito menos sensatez.
São as folhas gotejando em teus lábios,
desde outrora,
estranhos lugares perdidos.
E em teus olhos premências de um silêncio,
imóvel entre o interdito.

As flores só desabrocham mais singelas
quando o cuidado as regem.
Outras eras não se formam,
senão por nós. Todos.

domingo, 10 de julho de 2011

Vale Encantado

As vestes que ela tinha pareciam asas longas de borboletas cortando o espaço, pairando nas mãos de anjos pequeninos. Um sorriso festivo, e seus braços e pernas dançantes sobre folhas secas, dissolvendo os restos do mundo nos dedos dos pés. A força do vento jogava-a de canto em canto, por entre a leveza dos montes, roubando de suas pálpebras qualquer menção de morte. E sua pele ocultava-se, pois de hora em hora completava-se clara ou mais escura, enquanto os riscos dos dias soltavam dos olhos um marrom instigante.
As vestes que ela tinha pareciam asas longas de borboletas, suaves, de um encanto voraz, doando a insolação para os rostos dos rapazes. Soltavam-se plumas dos dedos, e suas mãos formavam gotas de orvalho, cuja flor doou seus laços ao aroma de seu corpo.
Condensando-se a luz, rodopiando ainda por entre sua alegria, a tímida noite no canto aparecia, dando as bênçãos à Estrela Maior. E enquanto seu corpo rodopiava, as vestes soturnas lhe acariciavam a pele de criança medrosa, que sorria, sorria. Seus dedos moles foram esmorecendo, as pernas e braços cansados volvendo-se à terra, ao chão. E seu coração sorrindo deitou-a com os olhos já fechados, taciturnos e belos, para que seu sonho não fosse jamais perturbado. Ela ficou, adormeceu, com as mesmas vestes, braços e pernas dançantes, com as mesmas mãos que formavam orvalhos. Dessa vez em seu humilde sonho. Seu coração nunca mais a despertou.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O Canto dos Últimos Astros

Agora que esse sorriso tirou-me dos olhos o sonho,
o canto explosivo dos astros
sabedor será das últimas histórias de seda.

Inda que vou,
inda que venhas franzir meu queixo de mágoas,
agora esse sorriso tirou-me dos olhos o sonho.
E como sem mais delongas, condensar-me no cinéreo o
canto explosivo dos astros.

Disse-lhe ao velho homem de barbas negras, de tão jovem face,
que a trajetória fina retira dos dedos lascas,
mas ainda mais: o sonho.
Pois como o ar que permeia os homens de ideais assusta,
também assusta a dor que gorjeia dos frascos de luz que o pertencem.

Agora que esse sorriso tirou-me dos olhos o sonho,
o canto explosivo dos astros
Sabedor será das últimas histórias de seda.

Que quando a mancha volver-te também os olhos,
não seja tão tarde para acreditar que sonhos são como estrelas.

domingo, 3 de julho de 2011

Cordas

Descobrir-lhes o som que emitem,
transmitindo-me o ar de um depósito de paz.

Gosto da entrega,
do lance de possuí-las em mãos febris,
e desmascarar minha face sem conduta.
A Poesia me estaciona, conduz-me assim.

Embarco no seu mundo, como a última amante que me resta.